segunda-feira, 17 de setembro de 2012

FINANCIAMENTO DA SAÚDE: BRASIL INVESTE POUCO

 Financiamento da saúde

Brasil investe pouco

Mais recursos garantiriam melhores condições de trabalho e de assistência para atender demandas de profissionais e pacientes

Relatório elaborado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) mostra que países com mais médicos por grupo de mil habitantes são conhecidos também pela maior participação do Estado no financiamento da saúde. Os dados, analisados sob a ótica da demografia médica e dos recursos públicos aplicados na saúde, evidenciam que onde o setor público investe proporcionalmente mais que o privado, há a tendência de melhores resultados em indicadores como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), expectativa de vida e taxas de mortalidade.
 Para justificar a abertura de mais cursos de medicina, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tem afirmado que o Brasil tem a menor proporção de médicos dentre os países com sistemas universais de saúde. Ele alega, como exemplo, que a razão de médicos por mil habitantes no Brasil (1,95) é menor que a encontrada na Espanha (3,71) e Portugal (3,76). Contudo, não cita a frágil condição do financiamento público do país no cenário internacional.
 Ao comparar a situação do Brasil com nações de diferentes perfis socioeconômicos, é possível verificar que, enquanto o investimento público per capita em saúde é de US$ 401 no Brasil, países  como Argentina, Espanha e Portugal chegam a investir quase seis vezes este valor. O mesmo acontece quando analisado o peso percentual dos investimentos públicos contra os do setor privado.
 “Os gestores simplificaram a complexidade da assistência à máxima de que ‘faltam médicos no país. Porém, não levam em consideração aspectos como a falta de infraestrutura física, de políticas de trabalho eficientes,  profissionais de saúde e, principalmente, de um financiamento comprometido com o futuro do Sistema Único de Saúde”, avalia Roberto d’Avila, presidente do CFM.
Em seu entender, é preciso pensar em mudanças estruturais no sistema. “Grande parte das dificuldades do SUS passa pelo subfinanciamento, pela falta de uma política eficaz de presença do Estado, de atração e de valorização dos profissionais de saúde”, afirma.
Compare, abaixo, os indicadores do Brasil e de outros países com sistema universal de saúde:
Falta de estrutura prejudica assistência
Uma prova de que a oferta de médicos é apenas um dentre os diversos aspectos para garantir a assistência à saúde pode ser verificada nos bancos de dados do próprio Ministério da Saúde.

De acordo com o órgão, apenas 34% da população do Distrito Federal e dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo, por exemplo, tem cobertura das equipes do programa Saúde da Família.
 O curioso, no entanto, é que estes mesmos estados possuem a razão médico por habitante acima da média nacional (1,95), com cerca de 120 mil profissionais médicos atuando em estabelecimentos públicos.  

MISTANÁSIA!



 MISTANÁSIA

Roberto Luiz d’Avila

PRESIDENTE DO CFM

Mistanásia. Poucos conhecem de imediato o significado
desta palavra que traduz, em quatro sílabas, a dor e o
sofrimento impostos à sociedade pela desassistência. São
homens, mulheres e crianças que sequer têm a chance de
se tornarem pacientes. Morrem antes, pois não conseguem
ingressar efetivamente no sistema de atendimento. Ou
pior: mesmo acolhidos num hospital ou pronto-socorro,
não recebem o diagnóstico e o tratamento que esperam.
Recentemente, uma reportagem de TV apresentou o
drama de uma criança paraense que, mesmo cuidada por
uma médica, não conseguiu leito de internação e acabou
morrendo. O martírio dessa menina e o desespero da colega
que a acompanhava – testemunhados pelas câmaras –
comprovam que a mistanásia existe no Brasil. Como esse
caso, há milhares de outros, absorvidos pelas estatísticas.
Uma mulher com diagnóstico de câncer de mama e
impossibilitada de começar de imediato seu tratamento
pela falta de equipamentos e de médicos não seria uma
vítima da mistanásia? E um trabalhador que, sem condições
de agendar uma consulta, alivia seu desconforto nos
prontos-socorros e quando se dá conta recebe diagnóstico
de doença grave que poderia ter sido evitada se descoberta
no início?
Entendo que o governo – em diferentes esferas – até
tem procurado fazer algo para evitar situações desse tipo.
Contudo, é inegável que falta mais, especialmente por
conta de pecados cometidos pelos gestores do Sistema
Único de Saúde (SUS).
É preciso encarar o problema! Os gestores devem entender
que a condução de um sistema baseado nas diretrizes
de universalidade, integralidade e equidade no
acesso necessita de uma visão estruturante. Ou seja, as
decisões não podem buscar respostas imediatas e muito
menos midiáticas. O brasileiro precisa – e espera – soluções
permanentes, de longo prazo.
Nos últimos meses, é evidente que os gestores já escolheram
um culpado, sobre o qual, no entendimento deles,
deve recair o peso de todos os males da desassistência.
Elegeram o médico – ou a falta dele – como o responsável
pela agonia dos brasileiros, especialmente dos que têm
amparo apenas no SUS.
Desde então, a categoria médica tornou-se alvo de
uma ação coordenada que oferece à sociedade placebo
ao invés de efetivo remédio para o tratamento de suas demandas.
Ressalte-se que se trata de categoria sem carreira,
com salário irrisório (quando servidores públicos) ou
pago pela Tabela SUS (quando prestador), cujos valores
são aviltantes.
Apesar de os gestores alegarem preocupação com “a
falta de médicos”, o país não ouviu ainda o anúncio de
mais recursos para a saúde ou de mudanças no modelo de
gestão – e nem ao menos apresentaram medidas que qualifiquem
a estrutura de atendimento nos municípios mais
pobres e distantes, visando estimular a fixação de médicos
e outros profissionais de saúde nestas localidades.
É como se vivêssemos no Reino das Águas Claras,
onde a presença de um estetoscópio basta para recuperar
a saúde do paciente. Enfim, a responsabilidade é bem
maior e os médicos não arcarão com o ônus dessa fatura
que, em nosso entender, nada mais é que a expressão da
mistanásia social no Brasil. Em defesa da vida, os médicos
não permitirão a manutenção desse pacto e nem a
impunidade de seus signatários.
Fonte: JornalMedicinaAgosto2012

sábado, 15 de setembro de 2012

MORRER EM CASA, NASCER NO HOSPITAL


Morrer em casa, nascer no hospital

Dr Rodrigo Biondi fala sobre o testamento vital
Fonte : AMIB


No dia 30 de agosto, foi publicado no site do Conselho Federal de Medicina (veja na íntegra em http://migre.me/aDxaJ) as normas para a diretiva antecipada de vontade, mas já conhecido como testamento vital. Esse é considerado um avanço na abordagem aos pacientes que estão hoje sendo submetidos a tratamentos considerados fúteis por falta de discussão ampla sobre suas alternativas no final de sua vida.
Outros países já lidam com esse tema há muitos anos, respeitando o desejo do paciente diante de um momento em que ele não pode decidir. Nesta resolução, vale ressaltar, é necessária total capacidade intelectual do paciente, de forma que deve ser feita em momento prévio ao estado terminal que se apresente. 
Isso está correto, em acordo com o Código e Ética Médica, em que devemos compartilhar com o paciente as opções de tratamento e respeitar seus desejos. O problema é que poucas pessoas pensam em como desejariam passar seus últimos momentos antes que esse momento chegue. E a forma do acesso das pessoas ao sistema de saúde brasileiro, em que é cada vez mais incomum a figura do médico assistente, que acompanha a evolução da saúde de um paciente por anos, dificulta ainda mais essas possibilidades.  
O problema é muito complexo. Lidamos diariamente com o inexorável. Hoje um paciente de meia idade chega num pronto socorro lotado com quadro de AVC com tempo hábil para trombólise. A triagem não foi eficiente e ele não foi eleito para essa terapia que poderia mudar a história natural da doença. Ele é admitido depois de horas e, apesar de sinais clínicos de tratar-se de um AVC de grande território, fica num leito da emergência. No dia seguinte um residente vai vê-lo, já com saturação baixa, febril... Quadro de pneumonia, o paciente já com uma sequela neurológica irreversível. Os familiares encontram-no naquela emergência, mas ele não os reconhecem. Está preso em seu mundo e dali nunca mais sairá. Esse paciente fez seu testamento vital? Ele não teve oportunidade, apesar de ter pensado no assunto após ver uma reportagem numa revista semanal. 
A consulta com seu médico, dias antes, foi muito rápida, deu apenas para trocar a receita do antihipertensivo. Havia muitos outros pacientes esperando e ele não se sentiu à vontade para tratar desse tema. Também pensou: "estou bem, não preciso pensar nisso hoje". Mas e se tivesse falado com seu médico, aquele do consultório? Talvez de nada adiantaria, pois os prontuários no Brasil, salvo raras exceções, não são unificados. O médico daquela emergência passou o caso para o intensivista e este nada sabe sobre os desejos declarados. O paciente é acoplado à ventilação mecânica e dias após inicia hemodiálise. "Não era isso que eu queria!" grita ele dentro de seu corpo imobilizado. Punções, drenos, coletas de gasometrias seriadas... muita dor, tratando muito bem a doença e maltratando o doente. A família, cheia de esperanças de tê-lo de volta. Chega o tão esperado dia da alta da UTI e ele vai para casa no Home Care, sem poder ao menos se comunicar.  
Cabe pensar se esse avanço vai realmente valer para todos. O exemplo acima ocorre diariamente em vários hospitais públicos e privados desse país. Podemos mudar a patologia, mas o problema maior é o de acesso. Acesso a uma medicina de qualidade, que atenda seus pacientes de forma humana. Acesso a informação, a ruptura de barreiras culturais em que se pensa que investimento no paciente significa tratamento fútil e que cuidados paliativos é igual a deixar morrer sem assistência. Cuidados paliativos bem feito é muito complexo, demanda tempo, dedicação e conhecimento. Em nenhum momento o objetivo é abreviar a morte; muito pelo contrário, é aliviar o sofrimento e oferecer qualidade de vida. Oferecer momentos de prazer para quem tem pouco a esperar. Quantas pessoas têm acesso a isso? Ou melhor, quantos sabem que esse tratamento também é uma opção? Um grande mérito dessa resolução, talvez, venha à tona agora, em que muito será debatido e será exposto que é possível e ético oferecer dieta por via oral para aquele paciente com dificuldade de deglutição, pois comer é uma das coisas que mais lhe dá prazer. E depois tratar com carinho sua pneumonia, se assim ele desejar. Mitos e paradigmas cairão e novas verdades serão ditas. Verdades individuais, com respeito à vontade de paciente. 

Há pouco mais de um mês houve uma passeata de mães que reivindicavam o direito de dar à luz a seus filhos em casa. Alegam, entre outras coisas, que a gestação e o parto não são eventos patológicos. Até esse ponto elas estão certas, mas o risco associado de seqüelas irreversíveis no caso de qualquer complicação (e elas podem acontecer) é imenso. Outro agravante é que essa mãe, que ama muito seu filho que está por vir, está tomando uma decisão que coloca em risco não só sua vida, mas também a de seu pequeno filho. Muito se falou, várias reportagens foram publicadas pelo direito de se escolher onde será o nascimento... vejamos se agora, diante da resolução do CFM, veremos marchas ou passeatas pelo direito de morrer também de forma humanizada, longe de bips e tubos, mas ao lado dos seus familiares, em sua casa, na sua própria cama, como acontecia décadas atrás. Com a assistência correta isso é possível.