segunda-feira, 17 de setembro de 2012

MISTANÁSIA!



 MISTANÁSIA

Roberto Luiz d’Avila

PRESIDENTE DO CFM

Mistanásia. Poucos conhecem de imediato o significado
desta palavra que traduz, em quatro sílabas, a dor e o
sofrimento impostos à sociedade pela desassistência. São
homens, mulheres e crianças que sequer têm a chance de
se tornarem pacientes. Morrem antes, pois não conseguem
ingressar efetivamente no sistema de atendimento. Ou
pior: mesmo acolhidos num hospital ou pronto-socorro,
não recebem o diagnóstico e o tratamento que esperam.
Recentemente, uma reportagem de TV apresentou o
drama de uma criança paraense que, mesmo cuidada por
uma médica, não conseguiu leito de internação e acabou
morrendo. O martírio dessa menina e o desespero da colega
que a acompanhava – testemunhados pelas câmaras –
comprovam que a mistanásia existe no Brasil. Como esse
caso, há milhares de outros, absorvidos pelas estatísticas.
Uma mulher com diagnóstico de câncer de mama e
impossibilitada de começar de imediato seu tratamento
pela falta de equipamentos e de médicos não seria uma
vítima da mistanásia? E um trabalhador que, sem condições
de agendar uma consulta, alivia seu desconforto nos
prontos-socorros e quando se dá conta recebe diagnóstico
de doença grave que poderia ter sido evitada se descoberta
no início?
Entendo que o governo – em diferentes esferas – até
tem procurado fazer algo para evitar situações desse tipo.
Contudo, é inegável que falta mais, especialmente por
conta de pecados cometidos pelos gestores do Sistema
Único de Saúde (SUS).
É preciso encarar o problema! Os gestores devem entender
que a condução de um sistema baseado nas diretrizes
de universalidade, integralidade e equidade no
acesso necessita de uma visão estruturante. Ou seja, as
decisões não podem buscar respostas imediatas e muito
menos midiáticas. O brasileiro precisa – e espera – soluções
permanentes, de longo prazo.
Nos últimos meses, é evidente que os gestores já escolheram
um culpado, sobre o qual, no entendimento deles,
deve recair o peso de todos os males da desassistência.
Elegeram o médico – ou a falta dele – como o responsável
pela agonia dos brasileiros, especialmente dos que têm
amparo apenas no SUS.
Desde então, a categoria médica tornou-se alvo de
uma ação coordenada que oferece à sociedade placebo
ao invés de efetivo remédio para o tratamento de suas demandas.
Ressalte-se que se trata de categoria sem carreira,
com salário irrisório (quando servidores públicos) ou
pago pela Tabela SUS (quando prestador), cujos valores
são aviltantes.
Apesar de os gestores alegarem preocupação com “a
falta de médicos”, o país não ouviu ainda o anúncio de
mais recursos para a saúde ou de mudanças no modelo de
gestão – e nem ao menos apresentaram medidas que qualifiquem
a estrutura de atendimento nos municípios mais
pobres e distantes, visando estimular a fixação de médicos
e outros profissionais de saúde nestas localidades.
É como se vivêssemos no Reino das Águas Claras,
onde a presença de um estetoscópio basta para recuperar
a saúde do paciente. Enfim, a responsabilidade é bem
maior e os médicos não arcarão com o ônus dessa fatura
que, em nosso entender, nada mais é que a expressão da
mistanásia social no Brasil. Em defesa da vida, os médicos
não permitirão a manutenção desse pacto e nem a
impunidade de seus signatários.
Fonte: JornalMedicinaAgosto2012

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